segunda-feira, fevereiro 09, 2004

Folha de São Paulo - 08/02/2004 - 15h28
John Kerry propõe política externa mais conciliadora
PETER MACKLER
da France Presse, em Washington

Alguns o classificam de estadista prudente, outros como um covarde, mas uma coisa é certa: independentemente das avaliações, quando o pré-candidato à presidência favorito dos democratas John Kerry olha o mundo, vê uma paisagem diplomática totalmente diferente no horizonte áspero que George W. Bush avista.

Provavelmente nenhum democrata no último meio século poderá chegar a uma disputa pela Casa Branca com mais experiência internacional do que Kerry como membro da comissão de Relações Exteriores do Senado durante cerca de duas décadas.

O senador por Massachussetts não perdeu tempo para apresentar uma política externa conciliadora, em busca de consensos, em clara oposição ao estilo Bush, que destaca o uso preventivo da força militar e a disposição a atuar unilateralmente.

Kerry propõe uma "nova era de alianças" que substitua a tática do governo republicano que classifica como "a política externa mais arrogante, inepta, insensata e demagógica da história moderna".

"Apesar do poder que temos, não podemos ficar sozinhos", disse. "Temos de trabalhar com a comunidade internacional para definir uma estratégia global que seja inclusiva, não exclusiva, coletiva e não imperial."

Ex-combatente do Vietnã e manifestante pacifista, que como senador colaborou para suavizar o caminho da normalização das relações de Hanói, ele garante que está pronto para dar uma virada na política externa americana se assumir a presidência.

Tentaria buscar um diálogo direto com o Irã e a Coréia do Norte --dois dos membros do "eixo do mal" de Bush-- para negociar a não-proliferação nuclear, a guerra contra o terrorismo e outros temas.

Colocaria as Nações Unidas encarregadas da reconstrução do Iraque e estabeleceria um "plano razoável e um cronograma específico" para que a soberania volte às mãos iraquianas.

Se a guerra contra o terrorismo requer uma ação militar, disse Kerry, "é fundamentalmente uma operação policial e de inteligência que precisa de cooperação em todo o mundo".

Kerry faz um esforço agressivo para reconstruir as relações "desgastadas e destroçadas" com os aliados da Otan e convocar uma cúpula para discutir a agenda antiterrorista comum e um marco de trabalho em segurança.

Além disso, estudaria uma nova aproximação das relações com a Arábia Saudita, país que, segundo Kerry, tem laços bem documentados com radicais islâmicos e um papel no financiamento dos terroristas.

"Os Estados Unidos não podem ser gentis com um país cujas ações dizem mais do que suas palavras", afirmou Kerry.

Designaria um embaixador presidencial para retomar o processo moribundo de paz no Oriente Médio e mencionou os ex-presidentes Jimmy Carter e Bill Clinton como possíveis candidatos. Nomearia outro enviado para o mundo islâmico.

Um governo de Kerry voltaria a pôr os Estados Unidos na liderança dos esforços para combater o aquecimento global depois que Bush se recusou a assinar o protocolo de Kyoto sobre a mudança climática há três anos.

No aspecto comercial, Kerry votou a favor do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), mas quer um "campo de atuação justo" para prevenir a perda de postos de trabalho no exterior.

Também antecipa uma linha dura com países como China e Japão em questões que vão desde o acesso aos mercados à manipulação do valor da moeda para facilitar as exportações.

Kerry também prometeu dar início a um período de 120 dias para estudar todos os acordos globais e determinar se estão cumprindo com suas obrigações trabalhistas e ambientais e se são justos com os trabalhadores americanos.

Os republicanos, entretanto, não escondem seu plano de pintar Kerry como um candidato da esquerda "light", que pode ter sido um oficial da marinha condecorado, mas que como senador foi um desastre em matéria de segurança.

Destacarão sua defesa ao congelamento nuclear, seus votos para abandonar sistemas de armamentos que vão desde os bombardeiros B-2 até os helicópteros de ataque Apache e mísseis Patriot, e seus esforços para reduzir os gastos nos serviços de inteligência.

Também cobrarão dele o voto contra a Guerra do Golfo em 1991 e o que deu a favor da invasão do Iraque no ano passado. Kerry garante que votou enganado pela informação equivocada que as autoridades divulgaram. Em compensação, a campanha de Kerry lembra seu apoio ao uso da força em Granada, em 1983, no Panamá em 1989, na Somália 1992, em Kosovo em 1999 e no Afeganistão em 2001.

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