quinta-feira, junho 03, 2004

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Defendidas Quotas para Travar Entrada de Mulheres nos Cursos de Medicina
Por EMÍLIA MONTEIRO
Quarta-feira, 02 de Junho de 2004

O crescente número de mulheres a entrar nas faculdades de Medicina está a causar apreensão entre alguns sectores da classe médica e das próprias instituições de ensino. Há mesmo quem defenda a criação de quotas para homens, numa tentativa de travar a presença maioritária das universitárias nestes cursos.

António Sousa Pereira, médico e presidente do conselho directivo do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), no Porto, é taxativo: se o modelo de ingresso nos cursos de Medicina não for alterado, "terão de ser criadas quotas para os homens nestas faculdades".

A ideia, garante, é partilhada por outros colegas. "Toda a gente fala disto à boca pequena; como é um assunto polémico, há um certo receio de discuti-lo", explica.

Segundo números fornecidos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, existem mais 1500 mulheres que homens a frequentar, neste ano lectivo, os diversos cursos de Medicina existentes em Portugal.

Esta maioritária presença feminina nas turmas vai originar, nos próximos anos, um aumento do já de si elevado número de mulheres a exercer Medicina. "É indiscutível que é necessário haver um maior equilíbrio de sexos", defende também o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Germano de Sousa.

O bastonário diz mesmo que, se a situação não se alterar, prevê "muitos problemas" para os próximos anos. O facto de haver áreas da Medicina pouco escolhidas pelas mulheres (como a Urologia e a Ortopedia) não quer dizer que elas não sejam maioritárias em quase todos os colégios de especialidades médicas.

A questão da introdução de quotas começou a ser discutida em força, em Setembro do ano passado, numa reunião anual da Associação de Educação Médica Europeia realizada em Berna, na Suíça. Com o número das mulheres médicas a aumentar em toda a Europa, as faculdades de Medicina discutem já oficialmente a preocupação inerente à mudança de "hábitos e normas" em áreas até agora quase exclusivamente masculinas.

Em Portugal, a revista "Nortemédico", pertencente à secção regional do Norte da Ordem dos Médicos, fala também no assunto na sua última edição. Em entrevista, António Sousa Pereira explana a sua posição em relação a esta questão.

"Maternidade afasta as mulheres do serviço"

O bastonário sabe que, "com o actual sistema de acesso aos cursos de Medicina, entram mais mulheres do que homens" nas faculdades. Para isso conta muito, em seu entender, o facto "de as estudantes terem mais juízo e estudarem mais do que os rapazes".

E que modelo de acesso preferia Germano de Sousa? "Defendo que a nota de candidatura aos cursos de Medicina deve ser de 14 valores e que às notas deve juntar-se outro tipo de provas capazes de evitar que um aluno com notas excelentes e uma má formação geral possa ser um mau médico", esclarece.

Em relação à criação de quotas para os estudantes de Medicina, "no abstracto", o bastonário mostra-se "contra, porque as quotas parece sempre que são para defender um ser inferior". Mas admite que, "oficiosamente, o assunto vai surgindo". Até porque, considera, para além de homens e mulheres terem formas diferentes de trabalhar, "a maternidade afasta as mulheres do serviço e tira-lhes alguma da capacidade de doação à profissão".

Mesmo assim, as mulheres são maioritárias em todas as escolas médicas existentes em Portugal: nas universidade da Beira Interior, de Coimbra, da capital (Universidade de Lisboa e Nova de Lisboa), do Minho e do Porto (Faculdade de Medicina e ICBAS).

Uma Medicina "cada vez mais no feminino", sobre a qual Germano de Sousa diz que é preciso "reflectir". "É necessário rever todo o sistema e é fundamental que o Ministério da Ciência e Ensino Superior, bem como o da Saúde, aceitem entrar na discussão", finaliza.

"Não É Uma Posição Machista, É a Realidade"
Por E.M.
Quarta-feira, 02 de Junho de 2004
P. - Por que é que defende a criação de quotas para homens nas faculdades de Medicina?

R. - A presença maioritária de mulheres nos cursos de Medicina tem depois reflexos na escolha de especialidades e cada vez temos mais mulheres a ocupar posições em áreas de actividade médica que não eram tradicionalmente ocupadas por elas. São assimetrias que estão a ser criadas dentro do sistema e que só podem ser corrigidas com a instituição de quotas.

P. - Quais são as áreas onde acha mais premente instituir quotas para médicos homens?
R. - Há especialidades da Medicina que não são tão procuradas pelas mulheres, porque não têm tanta apetência natural para elas. Por exemplo, em Portugal, só há uma mulher urologista e na Ortopedia também existem poucas. Acredito que os homens que vão consultar uma médica urologista sintam um certo embaraço inicial.

Todos os médicos sabem que existem áreas de actividade clínica em que as mulheres têm riscos e comportamentos que não eram os tradicionalmente associados a essas áreas. E isto causa alguma perturbação e instabilidade.

P. - As suas palavras podem ser entendidas como sendo algo machistas...
R. - Não, não se trata de nenhuma posição machista. É a realidade e temos de admitir que as competências e as limitações dos homens e das mulheres são de ordem biológica. O facto de as mulheres engravidarem cria logo algumas questões que importa resolver. Uma médica grávida tem de se afastar de doenças infecto-contagiosas e não pode, de forma alguma, realizar cirurgias que possam demorar 12 ou 14 horas.

Há mulheres que se "casam com a profissão" e são clínicas brilhantes e há outras que se casam e que também são clínicas brilhantes, mas não em especialidades como a microcirurgia. Nesta área, uma médica estar parada quatro meses (por causa da maternidade) significa logo grandes retrocessos na carreira. E depois há a própria estrutura hospitalar, que é de tal forma competitiva que as próprias direcções hospitalares podem não querer contratar médicas por causa das possíveis faltas que irão ter

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