segunda-feira, abril 11, 2005

Agenda ampla atrapalha tomada de decisões concretas na reunião dos estadistas

Por Monica Hirst

A importância da reunião de cúpula entre os chefes de Estado do Brasil, Colômbia, Venezuela e Espanha, na semana passada, na cidade de Guiana , parece ter se devido mais ao seu sentido de novidade do que aos seus resultados concretos. De fato, a diversidade de interesses e posições refletida na declaração conjunta revela uma agenda aberta e extremamente ampla de temas e preocupações. Não obstante, sua realização foi significante para espelhar o emaranhado que alimenta a política sul-americana nos dias atuais.

A presença do primeiro-ministro José Luis Zapatero pareceu atender a três motivações: a primeira, de ampliar a presença política de seu governo em espaços americanos a partir das mesmas sintonias ideológicas que o distanciam de Washington.

Neste caso, ao lado da comunhão de ideais com os governos sul-americanos eleitos por coalizões de centro-esquerda, não se pode esquecer de antigas rivalidades inter-imperiais cuja marca maior foi deixada pela derrota na guerra contra os Estados Unidos em 1898. A segunda razão, seria de respaldar os interesses da empresa petrolífera Repsol, hoje em dia a primeira companhia estrangeira associada à Petróleos da Venezuela (PDVSA). E a terceira, de atenuar o impacto das vendas de equipamento militar ao governo de Chávez com uma atuação que reforçasse a necessidade de um diálogo de paz entre a Venezuela e a Colômbia.

Já a participação do presidente Lula no encontro de Guiana dá continuidade a um esforço manifestado desde os seus primeiros meses de governo de apoiar a legalidade do governo chavista. Além de constituir um ponto importante do projeto sul-americano da política externa brasileira, esta determinação conta atualmente com fundamentos econômicos - observados nas vinculações entre a Petrobras e a PDVSA e na projeção de uma malha de infra-estrutura física na região. Outrossim, o Brasil vem buscando evitar um agravamento das discordâncias entre os governos Uribe e Chávez, que além de efeitos desestabilizadores na região, poderiam lhe causar inevitáveis problemas de segurança em suas fronteiras amazônicas. Mas a recente projeção brasileira na América do Sul se converteu também numa nova área de expectativas para Washington, que já incluiu "a questão Hugo Chávez" em sua agenda com Brasília.

Para Álvaro Uribe a reunião quadripartite rendeu parcos frutos. Pouco identificado com o espectro políticos dos outros três mandatários, o presidente colombiano continuou encontrando uma prudente resistência de seus vizinhos a maiores compromissos na sua guerra contra a narcoguerrilha. De fato, vem se criando um círculo vicioso, já que esta relutância lhe confirma a decisão de apoiar-se integralmente no apoio fornecido pelos Estados Unidos, o que por sua vez reforça ainda mais a atitude cautelosa de seus vizinhos. No caso brasileiro, por exemplo, existe maior interesse para encontrar uma solução de paz do que em aprofundar o campo do confronto entre as forças em conflito na Colômbia. Entre os resultados destas diferentes percepções, menciona-se o apoio morno da Colômbia ao projeto de construção da Comunidade Sul-Americana e a postura evasiva mantida com respeito ao tema da representação da região frente a ampliação do Conselho de Segurança da ONU.

Na cúpula de Guiana, Chávez deu mais um passo em sua política latino-americana e se aproximou da Espanha

Curiosamente, e apesar dos sinais ideológicos invertidos, Uribe e Chávez revelam-se menos diferentes do que parecem quando se observa o respeito pelos procedimentos democráticos de seus respectivos governos. A receita da segurança democrática aplicada pelo presidente Uribe, que vem securitizando o cotidiano político colombiano, acaba encontrando pontos em comum com as medidas centralizadoras implementadas recentemente na república bolivariana.

Sem dúvida, o presidente Hugo Chávez foi o principal beneficiário da cúpula de Guiana. O encontro lhe permitiu dar mais um passo em sua política latino-americana, que adquiriu uma dimensão ibero-americana. Pode ser útil aqui fazer uma rápida digressão histórica sobre o estilo e o conteúdo desta política que, se bem tem sua originalidade, lembra equações de outros tempos e de outros chefes de governo. Parece repetir-se neste caso o modelo do "jogo duplo" (que não deve ser confundido com o do duplo discurso), aplicado com êxito por Getúlio Vargas nos anos 30, e também com algum sucesso por Juan Domingo Perón na segunda parte de seu primeiro governo. Nos dois casos, um dos jogos traduzia-se na relação amistosa com os Estados Unidos. A hipótese que se levanta no caso do governo Chávez é de que o jogo duplo a perfilar-se prevê, de um lado, uma relação inamistosa com os Estados Unidos, o que se harmoniza com uma sólida aliança estratégica com Cuba (baseada na troca de petróleo por contingentes de profissionais treinados para tarefas sociais); e, de outro, um vínculo com as principais democracias sul-americanas - o que supõe canais separados de entendimento com o Brasil de Lula e a Argentina de Kirchner.

Se bem o petróleo constitua o principal trunfo do mandatário venezuelano para manter ativo o jogo mencionado, outros atributos de poder vem sendo buscados para consolidá-lo, principalmente o do poderio militar - a expansão de sua capacidade de defesa e o treinamento de forças locais.

Historicamente, são as limitações impostas desde fora que terminam desarticulando os jogos duplos. É neste tabuleiro específico que os governos democráticos amigos pareceriam poder dispor de espaço para movimentar suas peças junto a Chávez. Foi com este empenho que o governo de Zapatero deixou claro, em suas negociações com o seu par venezuelano, a condição de que este não desse as costas à preservação do Estado de Direito.

Mônica Hirst é professora da Universidade Torquato di Tella, de Buenos Aires.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Colaboração: Ligia Piola, a quem agradecemos.

Nenhum comentário: